25 novembro 2007

reminiscências - road movies

foto ilustrativa: Cuzco / Peru

Nesses 50 anos de andanças muita coisa vai ficando pra trás. Hoje em dia tornou-se inexoravelmente normal eu falar "há 20 anos, há 25 anos...". Mas essa aqui tem mais de 30: minha viagem pela América do Sul. Bolivia, Peru e depois Asunción del Paraguay. Quase como no "The Last Movie" de Dennis Hopper, uma verdadeira aventura aos 18 anos em terras forasteiras, em companhia de meu primo-brother Raulito. Cores, cheiros e gente totalmente diferente sob o idioma castelhano.
Cena 1: tudo começa no Mato Grosso tomando o trem transpantaneiro rumo a Corumbá. A belíssima fauna e a paisagem brazuca rumo ao desconhecido. Éramos autênticos mochileiros, portanto os dólares em cintos especiais com zíper internos escondendo o dinheiro - um estratagema anti-assaltos.
Cena 2: (rumo a Santa Cruz de La Sierra) 24hs no lendário trem da "morte". E numa parada, um mergulho num rio habitado por piranhas. Susto! Todo mundo correndo e verificando se nenhuma parte do corpo havia sido devorada...Eu pensava: "Já tenho histórias pra contar a meus netos".
Situações insólitas mas muito pitorescas se seguiam a cada "take". A Bolívia em Estado de Sítio e a gente nem aí. Malandros, índios e pobreza. Muita pobreza. A ponto de nos considerarmos yankees mesmo sendo brasileiros. O lago Titicaca, a Cordilheira e ruínas Incas. Muito frio combatido com goles de pisco. Tudo muito diferente do atual cenário na Era Evo Morales. Mal podia eu supor que muito mais seria vivido em minha odisséia européia. Mas isso fica pra outro cápítulo.

Imprensa, blogs e a guerra da informação

O proliferação dos blogs permitiu um acesso à informação jamais visto antes deste fenômeno surgir. Hoje qualquer pessoa - até este reles blogueiro que aqui martela o teclado - pode emitir suas opiniões e fazê-las chegar a um universo incalculável de leitores.
Porém, o que acredito ser o diferencial deste veículo, é a informação até então restrita nos bastidores do meios de comunicação em relação ao foco que fatos e notícias possam despertar na sociedade. O que quero dizer é que, muito embora existam blogs dos mais diversos assuntos (de comportamento a culinária, de esportes a cultura, de blogs pessoais a esoterismo, turismo, ciência, etc...) nada é mais importante do que os que tratam de política. Isto por que nenhum outro assunto possui um poder tão manipulador quanto os interesses que os meios de comunicação exercem sobre os leitores.
E nessa guerra de informação, os blogs tornaram-se trincheiras vitais a desmascarar fatos que seriam impossíveis de serem publicados ou veiculados na grande imprensa. Mesmo que um jornalista seja ideologicamente contra a linha editorial da empresa que o emprega (e neste ponto não sei se eu fosse jornalista como poderia viver em paz com minha consciência), ele é obrigado a se enquadrar senão é demitido.
Para quem acessa diariamente vários blogs, é fácil identificar uma guerra de informação e ideologia. De um lado estão jornalistas como Mino Carta, Paulo Henrique Amorim, Pedro Dória. Do outro, Reinaldo Azevedo, Olavo de Carvalho, Ricardo Noblat. Não sei se Arnaldo Jabor e Diogo Mainardi possuem blogs - que com certeza fariam parte deste segundo grupo - muito embora não precisem, já que cumprem à risca o papel a eles delegados pelas empresas para quem trabalham e recebem seus salários (Globo e Veja, respectivamente).
Mas há um jornalista que me chama a atenção pela coragem, embasamento e clareza com que escancara a manipulação dos pesos-pesados da informação (!?). Em seu site , Luiz Carlos Azenha desmascara muito dos bastidores da guerra da informação a que somos submetidos diariamente.
Não há como não ficar indignado ao supor que o que lemos/vemos é apenas notícia factual.
Os blogs vieram para ficar. Há quem diga inclusive que eles serão o futuro modelo do jornalismo eletrônico. Eclético e democrático. Levando a informação sem atalhos ou servindo a interesses corporativos das empresas de comunicação.

20 novembro 2007

princípos essencias

Como o brilhante jornalista Cláudio Abramo certa vez sintetizou, "O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter". Não nego que calhordas como Diogo Mainardi e Reinaldo Azevedo sejam inteligentes. Já o caráter de ambos...

13 novembro 2007

Batismo II

André e o mar, o mar e André: prazer em conhecer.

Batismo

foto by Marcão
Local: Guarujá / SP
Data: 11/11/07
assunto: encontro histórico do André com o mar
facilitador: Marcão Lepper
supervisão: Iemanjá

Até quando?

Até quando será possível contemplarmos o vôo deslizante dos gaviões sob o límpedo céu azul-anil destas montanhas? Ou a sinfonia de pássaros em cada amanhecer? Os mergulhos precisos dos martim-pescadores ? A algazarra dos anus? O canto das juritis? O alegre cacarejo das galinhas d´agua? O balé dos vários tipos de beija-flores? Os sabiás roubando nossas amoras - mas compensando-nos com seu canto bucólico? As peripécias dos esquilos? As gargalhadas dos macacos saás? As aparições incautas dos cervinhos? Ou depararmo-nos com os passeios dos ouriços por entre a relva? Ou a surpreendente visita de uma preguiça? As investidas ousadas dos saruês? A rápida visão de um bando de guaxinins pela mata? O movimento sorrateiro das salamandras por entre as pedras? O susto ante a presença ameaçadora de temíveis jararácas e cascavéis - coisas muito menos amedrontande e nocivas quanto os males da grande cidade?
Ah... até quando meu Deus?
Até quando viveremos livres sem vizinho a nos cercar? Sem camisa e pé no chão? Vendo nossos cães e gatos felizes como uma linda família? E o Frederico, o papagaio, tagarela em seus dias inspirados? Nos cansarmos mas felizes e realizados com tarefas rurais ? Chegando carregados com pesados cachos de bananas 100% isentas de químicos? Ou jaboticabas em abundância? As amoreiras apinhadas de frutos? E consumindo o mais puro mel mas matas? Beber a mais pura água que brota da terra?
Vivendo no silêncio somente invadido pelo ruído das águas? Admirando a beleza das chuvas tão bem vindas? Tomando surra de água na cachoeira? Vendo o céu coalhado de estrelas? E luares iluminando o breu da mata? Ou o majestoso sol minguando, morrendo em diferentes tonalidades nas tardes de outono? A festa das flores quando rompe a primavera, entre magnólias, primaveras e ipês-amarelos? As noites quentes de verões mais que bem vindos? Até quando sentiremos a brisa serena deste clima serrano? Ou as frias manhãs de invernos indesejáveis, mas ainda assim, parte inexorável de nosso ciclo sazonal? Ouvir o vento na dança envolvente das ramagens das árvores...Até quando?
Até quando sentiremos os vários aromas ao caminhar pelo mato silvestre desta paisagem? A visão imponente da vegetação à nossa volta ? Até quando? Até quando? Até quando?

Receio não querer saber esta resposta. Que Deus abençoe nosso desejo de aqui permanecer. Se assim for para o nosso bem. Amém!

Era uma vez...

...um homem que batera à porta de uma casa. Era a casa de um médico, desses que exercia a profissão quase como um sacerdócio. Ao abrir a porta, o médico pergunta ao homem: "Pois não, em que posso lhe ajudar?". O homem, muito abatido e com a expressão sofrida, olha para o médico e responde:"Eu preciso muito, muito mesmo de sua ajuda..."
Percebendo o grau de perturbação em que se encontrava o sujeito, o médico então convida-o para que entrasse em sua casa. Já sentados, o médico, de maneira solidária volta a perguntar: "E então meu amigo, como posso lhe ajudar?".
O homem demonstrando um terrível estado de dor, desaba:" Eu preciso...muito de uma palavra sua. Sou uma pessoa no limite de minha existência. Sem norte, sem caminho... não vejo mais sentido no viver."
Procurando entender a angústia por que passava o pobre homem, o médico passa a falar-lhe serenamente: " É... vejo que você não está nada bem. Mas olhe... eu...eu poderia lhe dizer várias coisas. Poderia aconselhá-lo de várias maneiras. Mas creio que possa haver uma outra forma de que isto seja feito. Nesta cidade há um circo se apresentando. E neste circo, há uma trupe de palhaços com números geniais. Um desses palhaços se destaca, fazendo uma performance extraordinária. Muito especial. Sublime. Tenho certeza que ao assistir sua apresentação, você verá algo que vai tocar profundamente sua alma e seu coração. Acredite em mim. Vá até este circo e assista a este palhaço. Tenho certeza que você sairá deste espetáculo um outro homem. E um novo sentido se fará presente em sua vida."
O homem que ouvia em silêncio e cabisbaixo à fala do médico, ergue a cabeça, olha-o e murmura resignando:"Mas senhor...eis aí o grande problema". "O quê ?", pergunta o médico.
Já com lágrimas nos olhos, o homem revela:" É que eu... eu sou aquele palhaço."

blue...


Hoje foi mais um dia daqueles. Chuva lá fora, tristeza aqui dentro. Revendo no computador inúmeras fotos de várias épocas, impossível não sentir aquele gosto amargo que a recente realidade está tratando de sentenciar. Uma nova e totalmente indesejável realidade.

Até quando ficaremos vivendo por aqui?

Simplesmente não consigo me imaginar noutro lugar e isto pode ser uma questão de semanas, quem sabe meses. Mas a perspectiva deste fim de trilha é assustadora. Uma ameaça de derrota a mais um sonho. Sonho este que corre o risco de ser carregado pelas curvas do rio que por aqui passa.

Uma trilha sonora silenciosa tratava de entoar sua melodia multitonal nos labirintos da minha cabeça. Poderia ser um blues na voz de Billie Holiday ou um solo de trumpete melancólico executado por Chet baker. A palavra "blue" em inglês é tão intraduzível quanto "saudade" em português. E ambas remetem a alma a um sentimento de extrema angústia . Ambas motivando um estado de aperto no peito como um nó que não desata.
Um abismo se precipita com consequências inimagináveis. Teremos que reunir forças para administrar algo que jamais julgávamos possível de que nos ocorresse. Mas será mesmo? O que será que será ? Será que neste interlúdio não haverá mesmo uma solução que contemple nosso mais profundo desejo - que é o de aqui permanecer?
Mesmo com os problemas inerentes que nos cercam por vivermos no meio do mato, ainda sim preferimos estes a termos que mudar tudo de novo. E ter de recomeçar do zero nossas trajetórias de vida.

João Pedro mal pode imaginar o quanto tenho que representar e sorrir para ele, que alheio ao que acontece à sua volta, apenas exercita sua ingenuidade de criança na aurora de sua vida.

enigma do peregrino


PROVERBIOS Y CANTARES - XXIX

Caminhante, são teus rastos

o caminho, e nada mais;

caminhante, não há caminho,

faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se o caminho,

e ao olhar-se para trás

vê-se a senda que jamais

se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,

somente sulcos no mar.

Caminante, son tus huellas

el camino y nada más;

Caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace el camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante no hay camino

sino estelas en la mar.


Antonio Machado
(1875 - 1939)

India

fonte: uol (http://viagem.uol.com.br)

Terra santa: cinco religiões fazem da Índia um lugar místico e conflituoso

Quatro cadáveres queimam lentamente às margens do rio Ganges em Varanasi, a mais sagrada das cidades hindus. Abastecidas com madeira de sândalo, as fogueiras exalam um cheiro esquisito. Algo como incenso misturado a carne abrasada. Vestidos de branco, a cor do luto, familiares reúnem-se em volta de seus mortos. Não há lágrimas, muito menos desespero. Apenas uma relaxada expressão de desapego.Crianças, atrás de uma pipa, cruzam subitamente o crematório. Quase colidem com dois homens que, através da fumaça, descem em direção às fogueiras com mais um corpo sobre os ombros. Ambos são dalits, pessoas pertencentes à mais baixa casta da sociedade hindu, a quem se reserva os trabalhos insalubres (carregar defuntos é o mais leve deles) do dia-a-dia. "Enquanto os cremados vão para o céu, esses homens não precisam morrer para chegar ao inferno. Já vivem nele", diz, com certo sarcasmo, Prem Chaudhary, um indiano que se diz sacerdote brahmin, a mais alta casta hinduísta. A crença inabalável na eternidade da alma, na transitoriedade da vida, no fogo purificador que substitui lágrimas -e de que a condição terrena de cada um é fruto das ações cometidas em existências passadas- faz de uma cremação hindu uma grande maneira de se começar a entender a fé na Índia. Terra, paraíso e trevas parecem dividir uma só paisagem neste país que abriga pelo menos cinco fortes religiões, cada qual a exercer grande influência em seus devotos. Hinduísmo, islamismo, budismo, siquismo, cristianismo. Das turbas de miseráveis à abastada classe alta, a maioria dos indianos faz de uma dessas crenças o seu modo de vida e seu conforto pós-morte.Babel religiosaNa Índia, respira-se o incenso dos templos hindus, ouvem-se os versos do Alcorão, admira-se a beleza dourada dos templos siques, viaja-se ao som plácido dos mantras budistas. Tudo entremeado pela agressividade do caos terreno -feito de multidões, fumaça, barulho e estrume de vaca- e pela feiúra da pobreza afrontada em cada esquina.Os hindus (eles representam 82% da população indiana) acreditam em um complexo panteão de deidades que inclui ratos, falos e yogis de pele violeta. Os muçulmanos seguem sua rígida fé monoteísta em Allah. Monges budistas mantêm as cabeças raspadas como símbolo da austeridade de sua religião. Pelo mesmo motivo, siques cultivam longas barbas e melenas. A convivência entre tantas crenças é perigosamente próxima e já gerou conflitos sangrentos no subcontinente. Fanáticos hindus destruíram, em 1992, uma mesquita na cidade de Ayodhya por acreditar que ali era o local do nascimento de Rama, uma encarnação do deus Vishnu. Em 1984, os guarda-costas siques da então primeira-ministra Indira Gandhi, de família hindu, a assassinaram. O motivo: alguns dias antes, na caça a um grupo separatista, ela mandara bombardear o Harmandir Sahib, o mais sacro dos templos do siquismo. Nada, porém, superou a guerra civil causada, em 1947, pela criação do Paquistão a partir de um vasto território indiano: a partição colocou hindus, siques e muçulmanos uns contra os outros e causou a morte de aproximadamente 500 mil pessoas.O conflito ainda suscita mágoas: "Os muçulmanos são os responsáveis pela divisão do nosso país. Não os perdôo por isso. A Índia não é deles", diz o estudante hindu Praveen Patel. O islã dominou o norte da Índia entre os séculos 12 e 18 (hoje, 12% da população local segue as leis do Alcorão) e ali enraizou sua fé em um esplendoroso conjunto arquitetônico -o Taj Mahal, uma das Sete Maravilhas do Mundo, é exemplo disso. Na capital, Déli, Patel e seus companheiros hindus encontram-se cercados por suntuosas mesquitas e mausoléus de antigos imperadores maometanos. A ouvidos leigos, o hindi (língua oficial entre hinduístas) se confunde com o urdu (idioma da maioria dos indianos muçulmanos). Muitos dizem que da fusão dessas duas crenças nasceu o siquismo, fundado no século 15 e que hoje abarca 1,9% da população indiana. Devoto da religião, o jovem Gurprit Singh discorda. "Quando foi criado, o siquismo rejeitava o sistema de castas hindu e adotava apenas um Deus para se venerar. Mas nossa fé tem um sistema próprio. Não vem nem do hinduísmo nem do islã."

Barba, turbante, bracelete de aço e sabre preso ao corpo são elementos do siquismo A fé dos siques está baseada nos ensinamentos do guru Nanak Dev (fundador da religião) -e de outros nove gurus que o sucederam- e dá a seus seguidores homens uma aparência toda peculiar: imponentes turbantes na cabeça, longas barbas, um bracelete de aço (que simboliza destemor) e um sabre preso ao corpo. Eles também adotam um sobrenome em comum: Singh, que significa "leão". Na Gurdwara Bangla Sahib, o maior templo sique de Déli, homens e mulheres ajoelham-se ao redor do enorme trono de ouro que guarda o livro sagrado do siquismo, o Guru Granth Sahib. Três barbudos vestidos de branco tocam e cantam músicas orientais. Ao contrário do hinduísmo, ninguém pede dinheiro aos visitantes. A exemplo do islamismo, não há veneração a imagens. Apenas as fotos dos dez gurus estampadas nas paredes da gurdwara. Comida é distribuída aos fiéis. No lado de fora, à sombra de três cúpulas de ouro, que se refletem em um enorme tanque-d'água, crianças brincam, adultos oram. Um clima de paz que se completa pela música a Deus que emana de grandes alto-falantes. Geografia da féOs siques representam uma classe próspera no país. O Estado que concentra o maior número de devotos da religião, o Punjab, é um dos mais ricos da Índia. O atual primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, é sique. Já o Estado dono de uma esmagadora maioria muçulmana encontra-se há 60 anos sob troca de tiros. Trata-se da Caxemira que, por sua população islâmica, é reclamada pelo Paquistão desde a partição de 1947. A contenda já gerou conflitos armados entre os dois países. Dentro da mesquista Hazratbal, na cidade de Srinagar, fiéis realizam sua salah (as cinco orações que os muçulmanos devem fazer diariamente) ao lado de soldados indianos com fuzis nas mãos. Srinagar é uma urbe exótica e perigosa. Banhada por lagos de onde brotam flores de lótus na primavera, as montanhas do Himalaia ao fundo, a cidade convive com barricadas militares e soldados mal-encarados. E os caxemiris, no meio dessa disputa territorial, dizem que gostariam mesmo é de ter seu próprio país. A Índia acusa o governo paquistanês de incitar este sentimento separatista e armar os terroristas que, vez ou outra, fazem explodir bombas por aqui. Afinal, uma Caxemira independente seria mais dócil ao islâmico Paquistão que aos indianos. Srinagar, porém, ostenta sua ilha hindu: um templo localizado no alto da colina Shankaracharya, permanentemente cercado por um grande contingente de soldados. Antes de subir, o visitante é revistado. "É necessário. Alguns terroristas muçulmanos adorariam arrebentar isso aqui", diz Mohamed Rafiq, morador da cidade. Lá em cima, em uma apertada construção, um jovem hindu, de aparência ébria, guarda a principal imagem do templo: o lingam, uma escultura de pedra de formato fálico que representa Shiva. Rafiq, que é muçulmano, olha a deidade e dispara: "Esses hindus são loucos mesmo". Cristo e BudaNo retrovisor do carro de Lazar Pati, que cruza à alta velocidade o deserto do Rajastão, uma imagem de Jesus Cristo. Nesta terra de vacas sagradas, mulheres de sari e homens de turbante, estranho é ver alguém que faça o sinal da cruz para se benzer. Mas Lazar é cristão mesmo. E faz parte de uma fé expressiva na Índia, que abrange 2,3% da população. "Não gosto dessa coisa de adorar ratos ou deuses estranhos", diz ele, com cara de nojo. "Prefiro ficar com os ensinamentos da Bíblia."No Estado de Goa, sudoeste do país, é que se vê a força da presença cristã no subcontinente. Antiga colônia portuguesa, Goa é cravado de igrejas cuja arquitetura lembra muito a encontrada em cidades históricas do Brasil. Em uma delas, a Basílica do Bom Jesus, repousa o corpo de São Francisco Xavier, que chegou à Índia no século 16 para catequizar o povo local.E, se Cristo não chegou a estar pessoalmente em sua terra, a mística Índia deu origem a outro grande messias da história: Siddhartha Gautama, o Buda. Nascido no que é hoje território do Nepal, ele atingiu sua iluminação na cidade indiana de Bodhgaya e pregou as primeiras diretrizes do budismo na região de Varanasi. No local, chamado Sarnath, monges se encontram periodicamente para realizar orações e louvar seu grande líder. Esse vínculo umbilical com o budismo fez a Índia tornar-se o exílio de milhares de tibetanos -inclusive o Dalai Lama- que deixaram seu país após a invasão chinesa, em 1950. Siddharta Gautama é venerado, pelos hindus, como uma encarnação do deus Vishnu. Mas, em vida, ele era outro que criticava o sistema de castas e a enorme legião de deidades hinduístas. "Deus é o mesmo"Sentado na beira do rio Ganges, o asceta Ravipudi observa as cremações. Cabelos dreadlocks, grande barba e a testa pintada, ele não tem propriedades, não possui trabalho, não faz sexo. Vive de esmolas e passa a vida a meditar, a rezar e a estudar textos religiosos (principalmente os hinduístas). Seu objetivo é desprender-se dos prazeres mundanos, transcender à condição humana e, com isso, atingir moksha (libertação do ciclo de reencarnações que prende os homens aos sofrimentos da Terra). Para um homem que entrega sua vida de modo tão radical a Deus, Ravipudi tem uma opinião que, de tão tolerante, surpreende. "O Deus que cada religião cultua é o mesmo. Não importa se é Shiva ou Alá. As pessoas só oram de maneira diferente. O que importa são os benefícios que essas crenças traz a cada um." E, de fato, todas essas religiões que convivem lado a lado na Índia, que de vez em quando se engalfinham em sangrentas brigas, ostentam afinidades impressionantes. Estudiosos gostam de ressaltar a semelhança entre os nomes Cristo e Krishna (principal personagem do Bhagavad Gita) e fatos em comum na vida dos dois personagens. Ambos são protagonistas de livros sagrados de suas religiões, tinham sangue nobre e fizeram milagres em vida. Os siques, apesar de discordar do sistema de castas, acreditam, como os hindus, em carma e reencarnação. Por sua vez, os muçulmanos vêem Jesus Cristo como um dos grandes profetas de Alá. E os monges budistas, a exemplo dos ascetas hindus, renunciam aos prazeres terrenos com o objetivo de atingir a libertação do ciclo de reencarnações.Ravipudi, por sua vez, quando morrer, não precisará ser cremado. A vida de privações já realiza o trabalho de purificação da alma que seria atribuído ao fogo. Seu corpo será jogado intacto no rio Ganges. Uma prática estranha. Mas que, na mística terra indiana, é apenas uma das muitas maneiras se ir ao encontro de Deus.


Nota do blogueiro: Estranhamente sinto uma enorme atração por este país. E lá desejaria pisar seu solo. Nem que fosse apenas para morrer.

Estréia (ainda que (muito) tardia)

Parece incrível, mas foram necessários longos 16 anos para que o André molhasse seus pés pela primeira vez em águas salgadas. Uma absurda espera considerando a extensão da costa que banha o Brasil - e a proximidade do litoral paulista. Mas tudo bem. Esse dia chegou e graças à boa alma do Marcão que o levou ao mergulho inaugural no Guarujá. Que não demore tanto entre o batismo e uma nova aventura nos mares.

03 novembro 2007

2 anos (atrasado) !!

Mês passado este blog completou dois anos de atividade. Provavelmente a data passou batido por qualquer motivo. Mesmo por que não há, hoje em dia, muita inspiração para postagens. Mesmo assim tenho muito carinho por TODOS os textos e imagens que compõem este arquivo. São, como diz a própria definição do blog, nossa "janela" para o mundo fora da mata onde moramos. Nosso testemunho do que aqui se passa e nossa leitura de fatos do mundo (em todas suas dimensões) que nos cerca. Dos asssuntos mais sublimes aos mais ácidos, tudo reflete nosso momento registrado nas datas publicadas. Sendo que neste espaço de tempo, a figura do João Pedro constitui-se num divisor de águas. Tanto quanto o ribeirão que corta nossa propriedade. E se não fosse ele, sei lá...nem sei o que seria deste que aqui martela este teclado.

Dia dos Mortos

Ontem foi o Dia de Finados. Tenho uma enorme dificuldade em evocar meus antepassados. Talvez por desejar lembrá-los em sua plenitude, talvez como uma auto-defesa involuntária ou inconsciente em não me envolver na nostalgia ou sentimento da perda de suas existências. A verdade é que sempre que me vêem à memória, a imagem recorrente é deles sorrindo, o que acabo considerando minha singela homenagem. Será isto basta? Não cultuo ir a cemitérios nem nesta data "comemorativa", nem em outros dias do ano. Mas acho isso um erro. Visitar, conversar - ainda que com o especto abstrato diante de um túmulo ou lápide- bem que poderia ser um exercício de reverência em respeito aos que tanto amei e já se foram. Talvez os índios, em sua sabedoria primitiva são os que melhor conceituam este ato de amor e respeito através do Kuarup. Sinto muitas saudades de algumas pessoas muito especiais que fizeram parte de meu universo até aqui. Mas, repito, há uma enorme dificuldade em revivê-los de maneira frequente e convincente. Eis aqui alguns nomes como tentativa de chamamento a este respeito: vovô Affonso, vovó Amélia, vovô Chiquito, vovó Olga, Quico (meu pai) , Durval (meu segundo pai) , "tia" Alzira, tio Raul, tia Yara, tia Dadá, tio Affonso, tio Odair, tio Dalmar...