Certa vez li um artigo assinado pelo jornalista Leão Serva, que trabalhava na ILUSTRADA (Folha de São Paulo), desmascarando a história de que o cineasta Serguei Eisenstein teria escrito uma resenha tecendo elogios ao filme LIMITE, de Mário Peixoto. O artigo, se não me falha a memória, fora publicado na década de 90, e lembro-me de ter ficado um tanto revoltado com seu teor, pois o jornalista afirmava que aquilo não passava de uma lenda, uma farsa plantada pelo próprio Mário Peixoto, resultado de sua personalidade controvertida e excêntrica. Curiosamente, o motivo de minha revolta era o fato de que, durante o período em que morei e estudei cinema em Londres (no início de 80), pude constatar que a história não era exatamente como escrevera Serva.
Isto porque ao visitar o Britsh Film Institute, numa ensolarada tarde de verão londrino, resolvi procurar na biblioteca do instituto qualquer coisa que mencionasse este filme, o qual tinha virado uma espécie de fixação para mim. Não só pelo seu conteúdo, forma, mas pela aura que o envolvia.
Naquela época os arquivos ainda eram no formato de micro-filme. E para minha surpresa, eis que encontro nada mais nada menos que o texto, supostamente escrito e assinado por Eisestein, falando exatamente de... LIMITE.
Na mesma hora transcrevi para uma folha de papel o texto de Eisenstein:
"Limite. O encontro de três almas arruinadas pela vida, dentro do limite de um barco à deriva no mar. Duas mulheres, um homem, três destinos. Constantemente limitados em seus desejos e possibilidades, a vida os reúne afinal no mais limitado dos espaços.
O filme é uma vasta cadência de desespero, angústia, de isolmento, de limitação. Todas as coisas têm ritmo neste filme.
É o ritmo que, em cada sequência, define seus limites. O ritmo explica e interpreta ao longo do filme, marcando o início e o fim de cada aventura.
É o ritmo que define os limites, os quais definem Limite."
S. Eisenstein, 1932.
Evidentemente nunca será possivel uma "contra-prova" desta constatação, já que seu autor há muito se foi. Mas é no mínimo intrigante que um texto dessa natureza tenha ido parar nos arquivos do BFI, sem que a história não fosse verossímel.
Pelo menos eu sou de verdade e testemunhei tudo pessoalmente.
Com a palavra, o Sr. Serva para sua defesa.