03 fevereiro 2011

Limite e Eisenstein: lenda ou verdade?


Certa vez li um artigo assinado pelo jornalista Leão Serva, que trabalhava na ILUSTRADA (Folha de São Paulo), desmascarando a história de que o cineasta Serguei Eisenstein teria escrito uma resenha tecendo elogios ao filme LIMITE, de Mário Peixoto. O artigo, se não me falha a memória, fora publicado na década de 90, e lembro-me de ter ficado um tanto revoltado com seu teor, pois o jornalista afirmava que aquilo não passava de uma lenda, uma farsa plantada pelo próprio Mário Peixoto, resultado de sua personalidade controvertida e excêntrica. Curiosamente, o motivo de minha revolta era o fato de que, durante o período em que morei e estudei cinema em Londres (no início de 80), pude constatar que a história não era exatamente como escrevera Serva. 
Isto porque ao visitar o Britsh Film Institute, numa ensolarada tarde de verão londrino, resolvi procurar na biblioteca do instituto qualquer coisa que mencionasse este filme, o qual tinha virado uma espécie de fixação para mim. Não só pelo seu conteúdo, forma, mas pela aura que o envolvia. 
Naquela época os arquivos ainda eram no formato de micro-filme. E para minha surpresa, eis que encontro nada mais nada menos que o texto, supostamente escrito e assinado por Eisestein, falando exatamente de... LIMITE. 
Na mesma hora transcrevi para uma folha de papel o texto de Eisenstein:

"Limite. O encontro de três almas arruinadas pela vida, dentro do limite de um barco à deriva no mar. Duas mulheres, um homem, três destinos. Constantemente limitados em seus desejos e possibilidades, a vida os reúne afinal no mais limitado dos espaços. 
O filme é uma vasta cadência de desespero, angústia, de isolmento, de limitação. Todas as coisas têm ritmo neste filme.
É o ritmo que, em cada sequência, define seus limites. O ritmo explica e interpreta ao longo do filme, marcando o início e o fim de cada aventura.
É o ritmo que define os limites, os quais definem Limite."
S. Eisenstein, 1932.

Evidentemente nunca será possivel uma "contra-prova" desta constatação, já que seu autor há muito se foi. Mas é no mínimo intrigante que um texto dessa natureza tenha ido parar nos arquivos do BFI, sem que a história não fosse verossímel. 
Pelo menos eu sou de verdade e testemunhei tudo pessoalmente. 
Com a palavra, o Sr. Serva para sua defesa. 

4 comentários:

Unknown disse...

Olá, como vai. Sou Leão Serva e vi o seu blog. Fiquei interessado desde logo em saber que mata é essa em que moram. Gostaria de saber mais detalhes sobre você(s) e que atividade desenvolve(m), se ainda trabalha com cinema etc.

Convivi obcecado por “Limite” e Mario Peixoto por longos anos de minha vida, desde a faculdade de jornalismo na PUC até aquela matéria a que você se refere. Eu o entrevistei diversas vezes, fiquei com ele em Angra dos Reis por alguns dias em uma oportunidade, no Rio de Janeiro em outra e por telefone uma outra vez; conversei como o Ruy Solberg, autor de um filme sobre ele e que ajudou a pagar suas despesas por longo tempo; Cacá Diegues, que publicou pela primeira vez no Brasil (pelo menos) o texto de Eisenstein; Saulo Pereira, seu biógrafo e recuperador do filme que, também, diz com todas as letras a quem quiser ouvir, que o artigo de Eisenstein foi escrito por Mario Peixoto, entregue em versão datilografada (em português, supostamente uma tradução) para o jovem crítico e depois famoso cineasta Cacá Diegues (a quem entrevistei também). Saulo é testemunha também do fato de que Mario o procurou com uma folha de papel manuscrita, que dizia ser a traduçaõ de um artigo de Eisenstein que ele, Mario havia lido, que precisava datilografar para passar a uma revista (a mulher de Saulo datilografava bem e tinha uma máquina). Saulo conta que se recusou, dizia exatamente que só datilografaria o artigo se Mario apresentasse o original. Mas acabou cedendo diante da promessa de que logo ele conseguiria... o que jamais veio a acontecer. Sua mulher datilografou o artigo, Saulo manteve uma cópia consigo e notou alguns erros de revisão. Quando o artigo foi publicado na revista dos Arquitetos (onde Cacá Diegues editava artigos sobre cinema), Saulo rapidamente detectou os erros que sua mulher havia cometido. O artigo de Cacá, era portanto, o mesmo que Mario havia levado a Saulo.

(cont.)

Unknown disse...

(cont.)

Há um outro aspecto importante de minha pesquisa: Mario dizia que Eisenstein teria visto o filme em um cinema de Londres, onde ele foi apresentado, em certo momento; Mario citava o cinema e a época; e dizia que leu o texto de Eisenstein na revista “Tatler”, muito tradicional. Pois bem, eu pesquisei em arquivos da imprensa inglesa e nos jornais da época não houve qualquer noticia da apresentação do filme; e na revista “Tatler” jamais encontrei o artigo de Eisenstein.
Mais (e essa é a origem de minha saga aos 18 anos, completada naquele artigo que você leu): a estudiosa de cinema Stela Senra, como outros, diz que o texto não condiz com o estilo de Eisenstein.
Agora já não é mais pesquisa minha, mas você pode achar: Saulo não quis jamais provar o que sabia enquanto Mario vivesse. Ele na verdade rompeu comigo por eu ter publicado aquela entrevista de Mario com a reportagem. Mas veladamente Saulo publicou em um artigo no extinto suplemento Folhetim da Folha de S.Paulo os dados todos que mostravam que jamais Eisenstein teve oportunidade de ver o filme de Mario Peixoto. O artigo de Saulo foi depois publicado em um livro pequeno junto com o artigo “de Eisenstein”, que Saulo atribuiu a Mario. Este artigo data todas as apresentações do filme “Limite” no mundo e lista todas as viagens de Eisenstein pelo mundo. Saulo Pereira de Melo é um físico, cientista metódico e “exato”, um “cdf” como se diz. Fez um trabalho metódico. E você pode ver pela pesquisa que os dois corpos (o de Eisenstein e as copias de Limite) nunca ocuparam o mesmo espaço.
Agora você conta que leu um texto assinado por Eisenstein. Isso é realmente incrível e eu gostaria muito de conhecer mais detalhes para entender como isso foi possível. A minha primeira pergunta é: onde? Em que publicação? Era uma cópia de que tipo? O texto estava em inglês? Que tipo de detalhes você poderia dar que ajudasse os pesquisadores a confrontarem. De fato, se o texto de Eisenstein for verdadeiro, será uma noticia importantíssima, porque a esta altura nenhum pesquisador mais acha que ele existiu. Pouco depois de minha reportagem, Mario Peixoto veio a falecer e depois disso Saulo se sentiu a vontade para contar publicamente suas certezas de muitos anos; outros pesquisadores também publicaram textos sobre o assunto. Eu diria que se o original do texto que você leu for realmente de autoria de Eisenstein, você tem uma grande história a explorar e contar.
Um abraço forte,
Leão Serva

Afonso, Débora, André & João Pedro Family disse...

Caro Leão, ou seria Rafael ? rsrs

Desculpe, mas só li seu extenso comentário hoje acidentalmente pq pouco tenho entrado, quanto mais postado, em meu blog. Na verdade causou-me surpresa que vc (é vc mesmo, né? rsrs) tenha tido acesso ao meu humilde e pouco conhecido blog. Como chegou até ele?
Confesso que fiquei impressionado com o detalhamento de suas explicações, e não fosse minha experiência narrada 100% verídica, eu ficaria até com vergonha do que escrevi.
Respondendo sua pergunta referente ao assunto, o material que transcrevi para o papel (scaneado na postagem) foi originalmente obtido em micro-filme dos arquivos do BFI (British Film Institute, localizado então na Tottenham Court Road, central London).
Mas como diz a velha máxima, "uma mentira de tanto ser repetida torna-se uma verdade", quem sabe sua pesquisa possua muito mais embasamento do que minha experiência pessoal. De qualquer forma, o que vi não foi alucinação ou sonho. Aconteceu de verdade.
Espero que vc não tenha se ofendido com o teor de meu texto. E se tiver alguém conhecido que more em Londres, quem sabe esta pessoa não possa tirar a prova dos 9 e numa visita ao BFI, e comprovar (ou nçao) o que escrevi.
Moro com minha família na serra do Itapetinga em Atibaia, literalmente no meio do mato, nas montanhas. Apesar de ter estudado cinema, minha profissão sempre esteve ligada à produção de tv e vídeo em produtoras. Tentei me libertar desta vida, vindo para cá para erguer uma pousada, mas o projeto não vingou.
Espero que retorne aqui no blog para continuarmos esta conversa.
Abraços,

Afonso Duarte.

Unknown disse...

Oi, sou o leao mesmo. nao sei de onde o blogger tira "rafael". recebi sua resposta. Vou refletir sobre isso.
abs